Dois pesos, duas medidas: A crise na arbitragem brasileira e a falta de profissionalização

O afastamento de 7 árbitros pela CBF em menos de dois meses, acendeu um sinal de alerta no futebol brasileiro. Mas apenas afastar é o suficiente?

Não é de hoje que a arbitragem brasileira causa descontentamento em jogadores, comissão técnica e dirigentes. Entretanto, nos últimos meses pedidos de desculpas vindos da CBF estão se tornando cada vez mais comum no futebol do nosso país. 

O ano de 2022 vem sendo marcado por erros graves tanto no campo de jogo, quanto na cabine do VAR. Por conta disso, os jogadores decidiram subir o tom das cobranças e a CBF se viu obrigada a adotar medidas concretas na tentativa de acalmar os ânimos. 

Somente entre os meses de junho e agosto, 7 árbitros foram afastados do quadro principal da entidade. Bruno Arleu de Araújo (Fifa), Savio Pereira Sampaio (Fifa), Rafael Traci (Fifa), Emerson de Almeida Ferreira, Marcus Vinicius Gomes, Luiz Flávio de Oliveira (Fifa) e Wagner Reway receberam punições. 

Edina Alves é um dos nomes mais conhecidos na arbitragem brasileira / foto: Ibraheem Al Omari / Reuters 

Para evitar mais um escândalo como o que ocorreu em 2005, no episódio que ficou conhecido como a máfia do apito. A CBF decidiu organizar uma intertemporada. A pedido do presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ednaldo Rodrigues, o chefe da Comissão de Arbitragem Wilson Seneme, reuniu 95 árbitros que passaram por uma espécie de reciclagem. 

A ausência de critérios e um padrão na maneira de apitar vem irritando jogadores e técnicos. Marcações equivocadas, demora na revisão do VAR e até mesmo relatos de ameaças no campo de jogo, estão contribuindo para aumentar a pressão em cima dos árbitros durante as partidas. 

Pouco antes do aprimoramento realizado no inicio do mês de agosto, Wilson Seneme reconheceu erros “absurdos” e “inaceitáveis” no primeiro turno da competição, prometeu uma melhora na sequência do torneio, falando em um “divisor de águas”.

Entretanto, pouco de discute sobre a profissionalização dos árbitros de futebol no Brasil. Visto que poucos conseguem se manter apenas com o dinheiro das partidas. 

Profissionalização na arbitragem brasileira

No Brasil, desde outubro de 2013 já existe uma lei que regulamenta a profissão de árbitro de futebol. Mas o que se vê na prática é uma coisa bem diferente. A remuneração desses profissionais é feita por jogo e são poucos que conseguem viver apenas do apito. 

A interrupção de campeonatos durante a pandemia foi outro agravante e atingiu em cheio aqueles que usam a arbitragem como uma forma de complementar sua renda. Os árbitros mesmo sem querer acabam tendo que enfrentar um dilema; Ficar a disposição de sua federação e torcer para ser escalado em um grande número de jogos ou ter um segundo emprego e ficar indisponível para realizar viagens durante a semana. 

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Raphael Claus será um dos árbitros brasileiros na Copa 2022/ Foto: Mauro Jefferson/Ceará 

A insegurança faz com que muitos abandonem a profissão, pois enquanto um pode ser escalado em 5 jogos no mês, outro consegue apitar em apenas 1. Existem ainda árbitros que mesmo vinculados a uma federação, acabam tendo que se aventurar em campeonatos amadores, torneios de várzea ou competições organizadas por empresários. 

Vale destacar também que os valores das taxas pagas mudam conforme os campeonatos, as categorias e as funções desempenhadas. Essa diferença é ainda maior quando falamos das competições de futebol feminino. 

Nas competições organizadas pela Conmebol a situação é um pouco mais justa. Pois a entidade paga a mesma taxa para o árbitro, assistente e quarto árbitro, os valores só variam conforme o campeonato. 

No Brasil, temos o exemplo da Federação Paulista de Futebol, FPF, que premia os melhores árbitros do campeonato com uma quantia em dinheiro. É uma iniciativa que tem como objetivo melhorar o nível da arbitragem no estado. No entanto, apenas isso não é suficiente para resolver um problema que vem se arrastando por anos em nosso país.

Talvez seja o momento de começarmos a pensar na profissionalização da categoria e investir não apenas em treinamentos sazonais. Mas devemos copiar o que esta dando certo em outros lugares do mundo e colocarmos em prática com urgência. 

Arbitragem na Premier League

Em ligas fortes como Espanha e Inglaterra, os árbitros assinam um contrato com a organização da competição. Com isso passam a receber salário e também uma remuneração a mais por cada jogo em que trabalhar. 

Na Premier League, por exemplo, a cada temporada são treinados 106 árbitros e 206 assistentes. Na etapa seguinte, os 18 melhores poderão trabalhar tanto na divisão principal, quanto na Championship (a segunda divisão do país).

A capacitação e valorização desses árbitros, faz com que esses profissionais se dediquem exclusivamente ao futebol e o resultado pode ser visto a cada rodada. A Liga Inglesa possui baixo número de cartões, poucas faltas, rápida revisão de lances polêmicos pelo VAR e principalmente jogos tranquilos. 

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Jogadores reclamam com o árbitro Paul Tirney na Premier League / foto: Shaun Botterill/Getty Images

Enquanto isso, no Brasil, a credibilidade do VAR e da equipe de arbitragem em geral é altamente questionável. Isto acontece por conta da postura da CBF em relação ao árbitro que comete um erro durante uma ou mais partidas.

Exemplo disso aconteceu na décima rodada do Brasileirão, quando Bruno Arleu de Araújo (Árbitro Fifa) não marcou um pênalti em Yago Pikachu, na partida entre Fortaleza e Goiás. Ele voltou a apitar um mês depois, no duelo entre Coritiba e Juventude.

No caso da árbitra Edina Alves (Fifa) o critério foi outro e a “punição”recebida foi bem maior. Edina, que apitou 17 jogos da Série A do Campeonato Brasileiro nos últimos dois anos, ficou marcada por um erro durante uma partida do Paulistão, em fevereiro.

No clássico entre Santos e São Paulo, ela deixou de assinalar dois pênaltis a favor do time da Vila Belmiro no duelo que terminou com vitória da equipe tricolor por 3 a 0.

A árbitra só voltou a apitar em uma competição nacional, no dia 1 de julho, no jogo Cruzeiro e Vila Nova válido pela décima sexta rodada da Série B. Fato é que não existe um critério definido para tomada de decisões dentro ou fora dos gramados. Portanto, a crise na arbitragem brasileira vem crescendo a cada temporada e os reflexos já podem ser vistos para além das nossas fronteiras. 

Nenhum árbitro brasileiro no VAR

Com a proximidade da Copa do Mundo do Qatar e a crise na arbitragem brasileira, criou-se uma expectativa a respeito dos nomes que seriam escolhidos. No entanto, não houve surpresas quanto aos árbitros de campo, Raphael Claus e Wilton Pereira Sampaio serão os representantes do Brasil. 

Os outros assistentes serão Rodrigo Figueiredo, Bruno Boschilia, Bruno Pires e Danilo Simon, além deles, Neuza Inês Back, será a primeira mulher a representar o país. Como já era esperado, nenhum árbitro brasileiro foi escolhido para atuar como VAR durante o mundial. 

Erros claros em competições internacionais podem ter interferido na decisão tomada pela FIFA. No jogo entre River Plate e Vélez Sarsfield, pelas oitavas de final da Libertadores, a comunicação confusa entre os brasileiros Rafael Traci e o Bráulio Machado, que estavam no VAR, e o árbitro da partida, o chileno Roberto Tobar. Demorou 9 minutos para a definição sobre a validação ou anulação de um gol. 

Cabine do VAR na Copa do Mundo da Rússia / Foto: Yuri Kochetko/EFE.

Em áudio divulgado posteriormente pela Conmebol, Roberto Tobar diz claramente à Rafael Traci: “Para mim é gol”. Apesar de Tobar não ter clareza se havia mão/braço do jogador do River, entretanto o VAR tenta convencê-lo de que há o toque e o gol deve ser anulado.

Diante desse cenário caótico, temos uma única certeza. Arbitragem brasileira precisa urgentemente de uma mudança estrutural, e isso passa diretamente pela profissionalização dos árbitros. Dar estabilidade e segurança para que possam se dedicar exclusivamente a profissão, além de definir critérios claros e objetivos dentro e fora de campo.