Gentil Cardoso – Um técnico apaixonado pelo Bonsucesso

Gentil Cardoso era um técnico revolucionário, implantou estilo de jogo e estudioso, nunca teve oportunidade na seleção, mas será que foi por competência ou racismo?

Um homem a frente do seu tempo, estudioso do futebol. Como militar aposentado, era rígido e buscava o alto físico de seus jogadores, porém resolvia as conversas com um abraço afetuoso. Segundo ele, nunca chegou a seleção devido a sua cor de pele.

Dentro de campo, foi um jogador bem do mediano, nunca encantou com a bola nos pés, mas quando assunto era treinar o time, Gentil era um gênio. Lançou o Garrincha para o Futebol, treinou o Leônidas e era torcedor do Bonsucesso.

Gentil Cardoso ajudou a mudar o futebol brasileiro e a implantar o profissionalismo nos campos, foi o único técnico negro a comandar a seleção em um torneio e tinha como característica principal o uso de um megafone nos treinos.

O homem, o militar e seu fim

Negro e nordestino, foi engraxate, garçom, padeiro e militar. Um homem vivido que antes de ingressar no futebol, foi ensinado pela vida. O que deu a ele uma experiência em administrar situações de conflito.

Gentil Cardoso

Entrou na Marinha com o desejo de ser piloto, porém não conseguir chegar a esse estágio, sendo técnico de aviação. Um militar de carreira e que reformou como capitão. Homem culto e estudado, era fã de Gandhi e Rui Barbosa e aplicava esses ensinamentos em vida.

Certamente, a influencia militar rígida como era naquela época, ajudou a disciplinar e introduzir um jeito disciplinador no homem Cardoso, que também era conhecido por seus valores. Mas era de costume encerrar as conversas com um abraço.

Era muito atento as transformações do mundo. Uma vida dedicada ao Futebol, o que ajudou a acelerar sua morte.

Gentil Cardoso
1943 Sport Ilustrado

Descobriu uma doença cardíaca em 1968 e nunca se cuidou. Em maio de 1970 se internou no Hospital da Aeronáutica para um procedimento cirúrgico que ocorreu bem, mas complicações pós-operatórias levaram o técnico no dia 8 de setembro do mesmo ano.

Frases marcantes

  • “Daqui pra frente, quero todo mundo indo pra cima e chutando a bola pra dentro da área de qualquer ângulo. Sabe como é: contra time pequeno, bola na bunda é pênalti.”
  • “A bola é de couro, o couro vem da vaca, a vaca gosta de grama, então joga rasteiro, meu filho”.
  • “Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência.”
  • “O craque trata a bola de você, não de excelência.”
  • “Só me chamam pra enterro, ninguém me convida pra comer bolo de noiva.” (Porque sempre era chamado pra treinar times em crise)
  • Deem-me Ademir , que eu lhes darei o campeonato.”

Gentil também foi responsável por criar dois “jargões” do futebol.

“Cobra” – Para definir um grande jogador; um craque que, como a cobra, é perigoso. “Zebra”; “deu zebra” – Quando, por azar, um time favorito perde o jogo para um bem mais fraco (Gentil teria se inspirado no jogo do bicho do qual não consta o animal zebra e, portanto, seria um resultado praticamente impossível).

O técnico

Gentil Cardoso tinha uma visão além do futebol normal. Foi o primeiro ou pelo menos um dos primeiros técnicos a implantar o esquema WM com uma adaptação a “la brasileira”. Exigia esquema tático aplicado, futebol dominado pelo meio campo e domínio físico.

Era o único técnico brasileiro diplomado na Inglaterra, um revolucionário, torcedor fanático do Bonsucesso e sonhava treinar o clube.

Gentil Cardoso e seu tradicional Megafone / foto: Sport Ilustrado

Como jogador, começou no Syrio Libanês em 1926, passou também por São Cristovão, Palmeiras e Andarahy. no entanto não fez sucesso como jogador e logo iniciou sua carreira como técnico em 1931 pelo rubro anil.

Ao iniciar sua aventura no Bonsucesso , implantou o sistema “WM” e a palavra “padrão”. Ele gostava de colocar padrão em tudo, e inegavelmente gostava do jogo bonito e desejava vencer assim.

Esse esquema fez o Bonsucesso brilhar nos jogos e com o Leônidas no ataque, o Bonsussa era temido.

Teve três passagens pelo time da Leopoldina. Em 1931 e em 1951 quando viajou pelo Brasil em busca de reforços para o time. Já em 1956, quando ninguém imaginava, pois ele tinha renovado contrato com um time pernambucano, ele abandonou tudo pelo Bonsucesso.

Campanhas pelo Bonsucesso

Em 1951 o time estava em uma crise, a diretoria brigando entre si e o time indo mal em campo. Depois que o time levou 3×1 do Bangu, Gentil Cardoso foi contratado para salvar o rubro anil e assim o fez. A campanha foi de 3V 8E e 9D, sendo boa parte das derrotas com o antigo técnico.

  • BONSUCESSO 3X3 SÃO CRISTOVÃO
  • BONSUCESSO 1X1 OLARIA
  • BONSUCESSO 4X4 VASCO
  • BONSUCESSO 1X1 CANTO DO RIO
  • BONSUCESSO 0X0 OLARIA- SEGUNDO TURNO

No carioca de 1956 fez uma boa campanha. O time do Bonsucesso ficou conhecido por vender caro as derrotas e teve no campeonato a campanha de 5V 4E e 13 D. Logo depois, Gentil se transferiu para a Ponte Preta.

Nos cariocas de 1931 e 1932, o Bonsucesso era respeitado e temido pelo time compacto e habilidoso e incomodava quando se jogava ao ataque. Em 1931 o time ficou em sétimo lugar com 8V 4E e 8D e no Carioca de 1932 obteve 7V 6E 9D, ficando em oitavo lugar.

Cardoso transitou por times pequenos e sua primeira grande oportunidade foi em 1945 no Fluminense. Tem como principais títulos o Carioca de 1952 pelo Vasco da Gama.

Outros títulos de Gentil Cardoso

1- America: Torneio Relâmpago: 1945

2- Fluminens : Campeonato Carioca de 1946

3- Corinthians: Taça Cidade de São Paulo1948

4- Vasco da Gama: Campeonato Carioca de 1952

5- Botafogo: Torneio Interestadual de 1954

6-Sport: Campeonato Pernanbucano de 1955

7- Santa Cruz: Campeonato Pernanbucano de 1959

8- Náutico: Campeonato Pernanbucano 1960

O racismo

“O racismo é um fato que a hipocrisia encobre”, disparou ao comentar a escolha de Zezé Moreira como treinador da seleção para a Copa de 1954. Gentil Cardoso era o melhor que o Brasil tinha a anos. O trabalho realizado pelo times onde passou era reconhecido por toda crítica esportiva.

Times jogando bonito, taticamente arrumados, fisico invejável, contudo isso não foi o suficiente para seduzir a CDB. Ainda sim Gentil alimentava a esperança de ser o técnico, mas o fantasma de 1950 estava muito próximo.

Visto que Barbosa sofreu com o julgamento pela sua cor por parte da sociedade e crônica esportiva. O medo do fracasso fez com que a seleção se fechasse para o Gentil, pois era inadmissível um negro ocupar um cargo tão importante como esse.

E de certa forma Gentil Cardoso já sabia disso, e ele tinha a absoluta certeza que mesmo ganhando títulos e mais títulos, sua chance jamais apareceria e foi assim. Chegou a treinar a seleção em um torneio em 1959, mas não foi a seleção titular, mas sim um combinado. Gentil passou a vida toda tendo a certeza que só foi não para a seleção devido a cor de sua pele.