Dia do Goleiro, racismo e outras coisas

O fato de não ter um goleiro negro entre os 10 maiores da história é somente por critérios técnicos?

Enquanto abro o notebook em busca de ideias para escrever um texto sobre o Dia do Goleiro, uma gritaria me tira a atenção.

Vou até a janela do apartamento e lá embaixo, na quadra poliesportiva do condomínio, dois garotos que pareciam ter no máximo dez anos “brigam” para ser o camisa 1 da pelada.

Em tempos de craques como Neymar, Vini Jr e Mbappé, nessa idade ninguém quer ser o Alisson ou o Neuer. No entanto, nenhum dos dois abriria mão da posição para agradar o coleguinha.

Observo a cena, até que um dos meninos diz que precisa ser o goleiro, pois está vestindo uma camisa comum, enquanto seu rival usava a do Haaland. E todo mundo sabe que o único jogador que pode usar o uniforme diferente é o arqueiro.

Conflito vencido, me volto para as pesquisas e vejo a notícia que a revista francesa France Football divulgou uma lista com os 10 maiores goleiros da história. Para a minha surpresa, nenhum brasileiro figura nela.

Como assim não tem brasileiros? O país que deu Barbosa, Dida, Manga e tantos outros ao futebol não tem nenhum representante nessa lista?

Outro fato ainda mais assustador é não ter nenhum goleiro negro entre os destaques.

O Racismo está na área

Não sabemos quais foram os critérios usados na escolha dos nomes e muito menos tirar o mérito dos indicados. Quero apenas levantar uma questão estrutural não apenas do futebol brasileiro, mas a nível mundial.

Numa conversa recente com a Tereza Borba, filha do lendário goleiro Barbosa. Ficou claro como tentam até hoje, apagar a belíssima história do camisa 1 vascaíno.

Dia do Goleiro
Goleiro Barbosa, ídolo do Vasco / foto: divulgação

O racismo que Barbosa sofreu, fez com que ele escolhesse viver no anonimato, no litoral paulista, para ter um pouco de paz.

Moacyr Barbosa é e sempre será o maior goleiro do Club de Regatas Vasco da Gama e um dos maiores da história do futebol brasileiro.

Após Barbosa, demorou 16 para um defensor negro voltar a ser titular pela seleção em uma Copa do Mundo. Haílton Corrêa Arruda, o Manga, seria o responsável por vestir a camisa 1 durante a Copa de 66.

Dia do Goleiro
Manga foi o goleiro titular na Copa de 1966 / foto: acervo O Globo

Manga é uma lenda no Botafogo. No entanto, sua fama vai além dos seus grandes feitos dentro de campo. Em sua homenagem foi criado o Dia do Goleiro, comemorado no dia 26 de abril, pois é a data de aniversário do ex-jogador.

Mas pelo visto, para a France Football, isso é apenas um detalhe.

Depois de Manga, levaria longos 40 anos para o Brasil finalmente ter um representante negro titular em uma Copa. Sob desconfiança e frases como “Goleiro preto da azar”, Dida assume a camisa 1 canarinho na Copa de 2006.

Em um país que possui a maior parte de sua população que se identifica como negra, basta ligar a tv e ver quantos jogadores enxergam a bola como uma forma de sair da pobreza.

Mas nem sempre boas atuações são suficientes para que os goleiros sejam lembrados na hora de defender um país numa Copa. Tampouco para vencer o prêmio de Melhor do Mundo.

Embora o racismo seja uma questão global, o futebol tem sido um ambiente especialmente propício para manifestações desde sempre.

Feliz Dia do Goleiro Negro

Aquele menino negro da pelada no play que está apenas brigando para defender o gol, nem era nascido quando Wilfred Agbonavbare fazia história no Rayo Vallecano, de Madri. Ou talvez não conheça a trajetória do grande Aranha, após os episódios de racismo vindo de torcedores do Grêmio.


Aranha durante partida pela Ponte Preta no Paulista de 2017 Marcello Fim/Image/GazetaPress

Talvez tenha visto, mas não entendido, a humilhação que Sidão teve que passar ao receber o “prêmio” de melhor do jogo, na partida entre Santos x Vasco.

O esporte mais popular do planeta é feito de grandes nomes que fizeram história. Por mais que tentem apagar o passado ou mudar a forma como o negro é tratado pelo futebol, sempre terá alguém disposto a lembrar de seus feitos.

Em uma sociedade que finge igualdade, mas vive para massacrar o negro. O futebol teima em revelar Barbosas, Mangas, Didas, Aranhas, Jeffersons, Willies e tantos outros.

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